Coordenador de Pesquisas e professor universitário do Inatel, Luciano Mendes representa a instituição no One6G e faz parte do IEEE.
Brasil – Luciano Leonel Mendes é doutor com pós-doutorado pela Universidade de Dresden, na Alemanha, professor, pesquisador e coordenador de Atividades de Pesquisa do Centro de Referência em Radiocomunicações (CRR) do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), no Brasil, onde é responsável por pesquisas em 5G e 6G. Além disso, representa o Inatel na Associação One6G e faz parte do grupo de trabalho de padronização de Cidades Inteligentes no IEEE.
Com ampla experiência em tecnologias de comunicações móveis e profundo conhecimento do setor, Luciano conversou com a topin sobre a evolução dos estudos sobre 6G, como se configura hoje o ecossistema e as promessas da conectividade para um futuro relativamente próximo.
topin: O que é o 6G? E como ele vai se diferenciar do 5G?
Luciano: O IMT-2020 [Padrão de Telecomunicações Móveis de 2020] foi altamente audacioso ao apresentar os cenários e casos de uso para a quinta geração de redes móveis. Muitos demandavam requisitos extremos, como alta vazão e baixa latência simultaneamente.
Embora a padronização da rede 5G tenha sido inovadora, fazendo desta a rede móvel mais flexível de todos os tempos, a camada física presente no 5G-NR [New Radio] ainda não é capaz de suportar todos os requisitos demandados pelas aplicações previstas pelo IMT-2020. Isso por si só seria um motivador forte o suficiente para iniciar o desenvolvimento de uma futura rede móvel; no entanto, além disso, diversos novos cenários e casos de uso ainda mais desafiadores estão sendo propostos, demandando maior vazão e cobertura, menor latência e mais conectividade.
Mas somente melhorias no campo das comunicações não viabilizarão essas aplicações. Além de prover comunicação, a rede 6G deve suportar novas funcionalidades, como geração de imagem, mapeamento e posicionamento de alta precisão e sensoriamento do ambiente – eletromagnético, físico e químico. Com isso, a rede 6G poderá ser utilizada para realizar a integração dos mundos físico, virtual e biológico, permitindo aplicações muito além da simples comunicação de dados.
Uma rede dessa natureza precisará de múltiplas formas de acesso, integrando as diversas soluções terrestres – Wi-Fi, redes ópticas, Bluetooth etc. – com redes satelitais de forma completamente transparente. A Inteligência Artificial terá o papel de viabilizar a gerência, organização e otimização de todos os elementos desta rede.
topin: Quem são hoje os principais agentes envolvidos no desenvolvimento do 6G?
Luciano: Existem diversas iniciativas ao redor do globo que estão propondo casos de usos, requisitos e tecnologias habilitadoras para as redes 6G. Os principais, ao meu ver, são os seguintes:
6G Flagship: é o primeiro projeto de grande porte em Redes 6G, financiado pelo governo finlandês e executado na Universidade de Oulu. Trouxe as primeiras visões e demandas para as redes 6G.
Hexa-X: projeto da União Europeia com maior impacto na definição dos requisitos, casos de uso e habilitadores para as redes 6G. Pode ser considerado o projeto seminal para o desenvolvimento das redes 6G.
One6G: é uma associação internacional que envolve operadoras, indústria e academia. Visa gerar contribuições para o processo de padronização das redes 6G junto à ITU [União Internacional de Telecomunicações].
6G@UT: centro de pesquisa americano formado por diversas empresas de grande porte que busca apresentar soluções técnicas para os desafios previstos para as redes 6G.
Brasil 6G: projeto de pesquisa brasileiro apoiado pelo Governo Federal que reúne instituições de pesquisa de diversas regiões do país. Visa a criação de um ecossistema que viabilize o desenvolvimento das redes 6G no Brasil.
topin: Já houve testes com o 6G?
Luciano: A rede 6G ainda é um conceito incipiente e não há uma definição clara de todas as suas funcionalidades e capacidades. Portanto, não houve testes com a rede 6G de forma propriamente dita; o que já podemos ver são testes de algumas tecnologias apontadas como fundamentais para suportar um dado aspecto ou funcionalidade da futura rede. As principais tecnologias habilitadoras demonstradas hoje em dia são comunicações na faixa sub-THz e THz, uso de Inteligência Artificial em sistemas avançados de telecomunicações, superfícies inteligentes, entre outras.
topin: Quais barreiras serão quebradas com a implantação do 6G?
Luciano: O principal paradigma que será quebrado é aquele de que a rede móvel é empregada para a transmissão de dados apenas. Hoje a vemos como uma extensão da conectividade que temos em casa, ou seja, uma forma de nos mantermos conectados quando estamos longe de um roteador Wi-Fi. Mas o 6G será muito mais que uma forma de transmitir e receber dados, ele vai permear todas as formas de interação que teremos com a internet, englobando as demais redes como formas de acesso para as aplicações.
Além disso, a integração das funcionalidades de imagem, mapeamento, posicionamento e sensoriamento permitirão desenvolver soluções para diversas verticais, como as de segurança, agronegócio, logística, indústria, veículos autônomos, saúde, entre várias outras.
Um dos cenários em destaque é a conectividade global: será possível acessar a internet com qualidade em qualquer ponto do planeta, graças à capacidade da rede 6G de empregar satélites para melhorar sua cobertura, além de utilizar redes terrestres de longo alcance para viabilizar aplicações como monitoramento global de ecossistemas ambientais, conectividade em aviões, trens e navios, rastreabilidade e monitoramento logístico e sistemas de vigilância de fronteiras.
Outro cenário interessante é o de zonas seguras invisíveis, em que sensores instalados em ambiente, câmeras de alta resolução e Inteligência Artificial são empregados para verificar ameaças e certificar permissão de acesso a ambientes controlados. Seria possível realizar as verificações de segurança de passageiros, por exemplo, sem a necessidade de checkpoints específicos, uma vez que a rede seria capaz de identificar ameaças por meio de vários sensores e análise inteligente de dados e imagens.
A rede 6G também será capaz de viabilizar o cenário de gêmeos digitais; uma réplica síncrona de um sistema real de grande escala, como uma cidade ou fábrica, poderia ser criada em um ambiente virtual. Assim, modificações no sistema físico real seriam alimentadas em tempo real no modelo virtual, e vice-versa, permitindo que novos processos ou políticas sejam testados na réplica antes de serem aplicados no mundo real. Essas são apenas algumas das possibilidades que poderão se tornar realidade com as futuras redes 6G.
topin: Qual o papel do Brasil atualmente nas pesquisas de 5G e 6G?
Luciano: O Brasil está atuando de forma bastante intensa para garantir que as demandas nacionais sejam atendidas nas futuras redes móveis. Dentre os diversos cenários analisados, vem ganhando destaque o desenvolvimento de uma solução de cobertura em áreas remotas e rurais que seja capaz de suportar as demandas sociais, educacionais, profissionais e de entretenimento daqueles que vivem afastados dos grandes centros urbanos.
Este mesmo sistema está sendo concebido para viabilizar a agricultura 4.0, em que o uso da informação e da tecnologia permitirá o aumento da produtividade no campo e o aumento da participação do país no fornecimento de produtos de origem animal e vegetal, sem causar mais impacto ao meio ambiente.
topin: Qual é a estimativa de tempo para a implantação do 6G? O que é necessário fazer para alcançar essa meta?
Luciano: A pesquisa em torno das redes 6G está no estágio inicial, essa tecnologia está prevista para chegar ao mercado apenas na década de 2030. Muitas tecnologias devem ser concebidas e novas soluções devem ser criadas em diversos campos, variando desde técnicas de comunicação digital, novos materiais para componentes eletrônicos até novas formas de interação com a rede através da comunicação háptica e integração homem-máquina. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico são fundamentais para a definição e padronização das redes móveis de sexta geração.
Conheça o Inatel
É um centro de ensino, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, criado em 1965. Foi a primeira instituição de ensino superior de Engenharia de Telecomunicações do Brasil. Desde a fundação, o Inatel tem provido valiosas contribuições na formação e qualificação de profissionais, para o desenvolvimento das telecomunicações, tecnologia da informação, informática e todos os ramos da tecnologia.